quinta-feira, 26 de março de 2009

27.03.09 - Dia Mundial do Teatro - mensagem internacional

Todas as sociedades humanas são espetaculares no seu quotidiano e produzem espectáculos em momentos especiais. São espetaculares como forma de organização social e produzem espetáculos como este que vocês vieram ver.

Mesmo quando inconscientes, as relações humanas são estruturadas de forma teatral: o uso do espaço, a linguagem do corpo, a escolha das palavras e a modulação das vozes, o confronto de ideias e paixões, tudo aquilo que fazemos no palco fazemos sempre nas nossas vidas: nós somos teatro!

Não só os casamentos e funerais são espetáculos, mas também os rituais quotidianos, que por sua familiaridade, não nos chegam à consciência. Não só rituais de pompa, mas também o café da manhã e os bons-dias, tímidos namoros e grandes conflitos passionais, uma sessão do Parlamento ou uma reunião diplomática – tudo é teatro.

Uma das principais funções da nossa arte é tornar conscientes esses espectáculos da vida diária onde os actores são os próprios espectadores, o palco é a plateia e a plateia, palco. Somos todos artistas: fazendo teatro, aprendemos a ver aquilo que nos salta aos olhos, mas que somos incapazes de ver, tão habituados estamos apenas a olhar.

O que nos é familiar torna-se invisível: fazer teatro, ao contrário, ilumina o palco da nossa vida quotidiana.

Em Setembro do ano passado fomos surpreendidos por uma revelação teatral: nós, que pensávamos viver num mundo seguro apesar das guerras, genocídios, hecatombes e torturas que aconteciam, sim, mas longe de nós em países distantes e selvagens, nós vivíamos seguros com o nosso dinheiro guardado num banco respeitável ou nas mãos de um honesto corretor da Bolsa - nós fomos informados de que esse dinheiro não existia, era virtual, feia ficção de alguns economistas que não eram ficção, nem eram seguros, nem respeitáveis.

Tudo não passava de mau teatro com triste enredo, onde poucos ganhavam muito e muitos perdiam tudo.

Políticos dos países ricos fecharam-se em reuniões secretas e de lá saíram com soluções mágicas. Nós, vítimas das suas decisões, continuamos espectadores sentados na última fila das galerias.

Há vinte anos atrás, eu encenei "Fedra" de Racine, no Rio de Janeiro. O cenário era pobre; no chão, peles de vaca; em volta, bambus. Antes de começar o espectáculo, eu dizia aos meus atores: - “Agora acabou a ficção que fazemos no dia-a-dia. Quando cruzarem esses bambus, lá no palco, nenhum de vocês tem o direito de mentir. Teatro é a Verdade Escondida”.

Vendo o mundo para além das aparências, vemos opressores e oprimidos em todas as sociedades, etnias, géneros, classes e castas, vemos o mundo injusto e cruel.

Temos a obrigação de inventar outro mundo porque sabemos que outro mundo é possível. Mas cabe a nós construí-lo com nossas mãos entrando em cena, no palco e na vida.

Assistam ao espetáculo que vai começar; depois, em vossas casas com os seus amigos, façam suas peças vocês mesmos e vejam o que jamais puderam ver: aquilo que salta aos olhos. Teatro não pode ser apenas um evento - é forma de vida!

Actores somos todos nós, e o cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!

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Augusto Boal (tradução: odeusdamaquina)

terça-feira, 17 de março de 2009

PIOLHOS E ACTORES brevemente

Encontra-se em fase de pré-produção (organização, captação de apoios/patrocinadores e ensaios), a 2ª produção teatral deste primeiro ano de Associação Cultural Despe-Te-Que-Suas.

Trata-se de PIOLHOS E ACTORES, um espectáculo com os seguintes co-produtores:

ACE/ Teatro do Bolhão
Teatro da Garagem


Com estreia prevista para São Miguel, em Maio de 2009, espera-se anunciar em breve a data precisa, bem como o co-produtor regional que assumirá a estreia deste espectáculo.
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PIOLHOS E ACTORES ficha técnica


Texto: José Sanchis Sinisterra

Tradução e Encenação: António Capelo

Interpretação: Miguel Mendes, Nelson Cabral

Cenário e Figurinos: António Capelo

Desenho de Luz: André Raposo

Making Off: Andreia Soares

Design: Joana Dias

Produção Executiva: Pedro Pacheco, Ruben Soares Luís, Nelson Cabral, Samira Pereira

Produção: Associação Cultural Despe-Te-Que-Suas


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PIOLHOS E ACTORES contexto e motivação


Considera-se de grande pertinência, na execução do plano de actividades desta Associação Cultural para o ano de 2009, a produção e apresentação deste espectáculo nas ilhas dos Açores, região com grande tradição em manifestações de teatro popular.

A escolha da peça Piolhos e Actores, de co-produtores com grande relevância no panorama português das artes do espectáculo e de uma equipa artística altamente qualificada para concretizá-la, vem de encontro ao objectivo de, responsavelmente, despertar sinergias e públicos mais abrangentes em torno das Artes do Espectáculo nos Açores.

Salienta-se que, para além da estreia em São Miguel, agendamentos noutras ilhas dos Açores, e pela existência de co-produtores nacionais, é possível garantir a apresentação do espectáculo em salas de teatro de Lisboa, Porto, outras cidades, e circuito de festivais, constituindo uma oportunidade para divulgação de co-produtores e patrocinadores regionais, ao mesmo tempo que é nacionalmente difundida uma criação/produção ”made in azores”.

A peça trata de uma bela e grandiosa reflexão sobre o ofício do Actor de Teatro.
As personagens (dois actores, Rios e Solano) viajam, através das épocas até à actualidade, mantendo vivas as histórias e maneiras de as contar, servindo-se do pouco aparato que dispõem para reinventá-las.
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Pretende-se, com Piolhos e Actores, homenagear os artistas que percorrem os espaços e o tempo com diferentes peças e artifícios. Actores que, ontem e hoje, lutam contra a precariedade e fugacidade da sua condição, independentemente das crises conjunturais do mundo em que vivem.


PIOLHOS E ACTORES equipa artística




António Capelo

Actor e Encenador nascido em Castelo de Paiva, em 1956. É Professor e Director da ACE - Academia Contemporânea do Espectáculo, e ainda Director Artístico e encenador do Teatro do Bolhão, no Porto. Participa regularmente em séries, telenovelas e projectos cinematográficos, tendo sido dirigido por realizadores como Jorge Silva Melo, Teresa Villaverde, Paulo Rocha, Maria de Medeiros, António Pedro Vasconcelos, entre outros.







Nelson Cabral
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Actor, nascido em 1973, em Ponta Delgada, Açores. Concluiu em 1997 o Bacharelato em Teatro/ramo Actores na Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo, Porto. Tem trabalhado em Companhias como o Teatro da Garagem, Teatro da Cornucópia, Artistas Unidos, Cassefaz, Escola de Mulheres, Seiva Trupe, Chapitô, entre outras, assim como em inúmeros projectos independentes. Paralelamente, tem participado como actor, em séries e telenovelas. Faz locuções e dobragens áudio. Estende a sua actividade à Formação Teatral, desenvolvendo workshops de “Criatividade e Treino do Actor” em associações culturais, escolas e grupos de teatro. Nos Açores, tem dirigido vários espectáculos, com produção do Grupo de Teatro Muitieramá (Lajes do Pico), Associação ArtePalco e Ass. Cultural Despe-Te-Que-Suas (São Miguel), da qual é sócio fundador e seu director artístico.



Miguel Mendes

Actor, nascido em Lisboa, em 1966. Tem o curso de Formação de Actores da Escola Superior de Teatro e Cinema e é em licenciado em Teatro - ramo Actores/Encenadores da mesma escola. Frequentou o Bacharelato em Artes Cénicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1991. Em Porto Alegre (Brasil), de 1987 a 1991 trabalhou com António Oliveira, Iriom Nolasco, Marcos Barreto e Miriam Freitas. Em Portugal participou em António, um Rapaz de Lisboa e O Fim, ou tende misericórdia de nós, ambos de Jorge Silva Melo. Criou e interpretou com Joana Bárcia Controle de terra para major tom; criou com o CITEC- Montemor-o-Velho, Shakespeare Global. Em televisão participou em Na Paz dos Anjos, Desencontros, Os Filhos do Vento e na série Sociedade Anónima. No cinema participou em O Mal, de Alberto Seixas Santos. É actor residente do Teatro da Garagem desde 1997.
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PIOLHOS E ACTORES co-produtores
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ACE/ TEATRO DO BOLHÃO (Porto)

ACE (Academia Contemporânea do Espectáculo) é uma escola profissional fundada em 1990, vocacionada para as Artes do Espectáculo, que oferece 3 cursos profissionais distintos: Artes do Espectáculo/ Interpretação; Artes do Espectáculo/Cenografia, Figurinos e Adereços e Artes do Espectáculo/Luz, Som e Efeitos Cénicos.
Foi criada em 2003 a estrutura de produção teatral ACE/Teatro do Bolhão, companhia com regular presença nos principais palcos portugueses.
+ info. em www.ace-tb.com


TEATRO DA GARAGEM (Lisboa)

Companhia fundada em 1989, dedica o seu trabalho artístico à pesquisa e experimentação, através da investigação de novas formas de escrita para teatro e de novas formas cénicas que a acompanham. A companhia trabalha com um autor/encenador residente, Carlos J. Pessoa, que é também o responsável pela Direcção Artística do Teatro da Garagem, um músico residente que compõe e interpreta a banda sonora dos espectáculos, um núcleo de actores fixos, uma equipa de produção, um dramaturgista, um responsável técnico, um cenógrafo e figurinista e uma designer gráfica.Para além das criações próprias, a partir de textos originais de Carlos J. Pessoa, e da releitura dos clássicos, a companhia desenvolve um trabalho pedagógico, através do Serviço Educativo, com as escolas e associações da zona onde se encontra situado o teatro.
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PIOLHOS E ACTORES o autor
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José Sanchis Sinisterra nasceu em Valência, em 1940. Este dramaturgo e encenador é um dos autores mais premiados e representados do teatro contemporâneo e um grande renovador da “cena” espanhola. É também conhecido pelo seu trabalho docente no campo teatral. Das suas inúmeras peças de teatro, as mais relevantes são Ay, Carmela! e Nãque, o de piojos e actores.
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PIOLHOS E ACTORES da encenação

O texto de Sanchis Sinisterra, como de resto a maioria dos seus textos dramáticos, é uma reflexão do universo do teatro feito a partir de dentro. Em Ñaque, (Piolhos e Actores) o autor constrói uma narrativa dramática que gira em torno de dois actores ambulantes perdidos no tempo que, inesperadamente, se reencontram no seu espaço de eleição – o teatro, mas fora do seu tempo particular – o siglo d’oro espanhol. É da estranheza desse efeito, muito à maneira de Brecht, que Sinisterra constrói os diálogos, muito à maneira de Beckett, dos dois protagonistas. Se por um lado o efeito da estranheza do tempo – o nosso século – permite uma relação directa com o público, por outro, a secura e solidão dos diálogos permite o contar de uma história repleta de ironias e memórias que elevam o jogo teatral a um nível didáctico muito enriquecedor para as plateias e de uma fluidez cénica extremamente lúcida e lúdica para gáudio de quem a ele assiste. Rios e Solano são duas faces de uma mesma moeda. Perdidos no tempo, o seu reencontro, no espaço que eles melhor conhecem – o cénico - é uma necessidade absoluta para quem, como eles, necessita do teatro para viver.

Piolhos e Actores, sendo uma frenética alusão ao mundo do teatro, não deixa de ser, ao mesmo tempo, uma imensa metáfora do mundo em geral. Do tempo deles – actores ambulantes do século XVII – ao nosso tempo – o século XXI, repleto de interrogações para o futuro.

O espectáculo é de uma enorme simplicidade cénica, permitindo a sua apresentação nos espaços mais variados e convive muito bem com todos eles, pois é a partir da geografia do próprio espaço que os actores improvisam as sua relações à boa maneira da commedia del’arte, permitindo a todos aqueles que nele participam, criadores e espectadores, uma comunhão conjunta de hora e meia de imensas afinidades e profundo prazer.

António Capelo


quinta-feira, 12 de março de 2009

TODOS AO PALCO, CONTRA A CRISE



"Depois de ter perdido grande parte da sua população, Patrícios reencontrou a capacidade de sorrir graças ao seu grupo de teatro, que atraí os turistas."


Assim começa, um artigo na edição de Fevereiro/09 da recomendável revista Courrier Internacional, assinado por José Vales.


Na actual ou noutra qualquer conjuntura, não encontro nada mais interessante e pertinente do que um olhar sobre quem consegue dar a volta, ousar, estimular e reinventar soluções.


Aliás, neste momento, é unânime entre a classe dos gestores, a ideia de que só se safam desta crise aqueles que forem capazes de inovar, usando a criatividade em prol dos seus projectos, das suas empresas, comunidades e países.

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O artigo que menciono, conta a história de uma pequena aldeia (outrora chegou a ter 5000 habitantes, agora restam 500) na Argentina. Encontraram na criação de um grupo de teatro, a forma ideal para engrandecerem a sua comunidade a nível sócio-económico-cultural.


.../Em Patrícios, era preciso lutar não só contra a pobreza e a apatia mas também contra o aborrecimento e o desejo louco de rumar a outras paragens.
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«Conseguimos muitas coisas durante estes seis anos de teatro, mas a mais importante foi termo-nos tornado visíveis» comenta a encenadora Alejandra Arosteguy. «Hoje, Patrícios é vista, reconhecida. Outra coisa importante foi que, pela primeira vez, os habitantes se uniram para agir.»
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«Por causa do teatro, criámos o sistema D&P (dormida e pequeno-almoço): alguns moradores recebem turistas nas suas casas, oferecendo-lhes cama e pequeno-almoço», explica Nilda. Tudo pela módica quantia de 30 pesos (6,40 euros). Isto dá um pequeno impulso à economia. As lojas funcionam. O “Boulevard”- que se obstina em manter os seus ares parisienses – enche-se de passeantes que atraem os olhares e, à hora do almoço e há noite, o único café da aldeia, o Club Atlético Patrícios, não consegue servir comida a toda a gente.

Este Grupo de Teatro, além de funcionar como chamariz e sustento para a economia local, desenvolve uma importantíssima acção junto da comunidade. Conseguiram envolver os locais nas suas produções.

Frases como;

O teatro mudou a minha vida, dita por uma menina de dez anos, ou Nunca tinha pensado que era capaz de representar e, agora, não sou capaz de viver sem o teatro, proferida por Nilda Martinez, de 79 anos, uma das mais dinâmicas actrizes do grupo de teatro comunitário Patrícios Unidos de Pie;

são bem esclarecedoras do efeito produzido por este bendito fenómeno.

Expressões como as que aqui são referidas, tenho ouvido amiúde, na minha experiência de trabalho com grupos de teatro amador nos Açores, nestes últimos cinco anos.


Recordo as pessoas que mudaram realmente de vida, ao abandonarem os seus trabalhos ou planos de cursos "normais", rumando a Lisboa ou Porto para estudarem Teatro.


Recordo também a minha querida Srª Margarida das Lajes do Pico, telefonista na Escola Secundária, que voltou a conduzir depois de cerca de 20 anos de interregno, para poder ir diariamente aos ensaios sem aborrecer o marido, tornando-se assim mais auto-suficiente e feliz. E que talento que ela tem, asseguro-vos.


E recordo ainda, desta vez infelizmente, um actual e já com alguns mandatos no curriculum, Presidente de Câmara da Ilha de São Miguel, que me disse não acreditar que algum dia pudesse existir um Grupo de Teatro a funcionar profissionalmente nos Açores... fiquei a perceber que para ele tal não seria necessário.


Devemos ser capazes de pegar no exemplo de Patrícios e redimensioná-lo para as nossas freguesias, vilas e cidades.
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Para além de muitos outros casos, e salvaguardando, claro, as devidas dimensões, como é que acham que Londres se tornou numa grande capital e centro económico mundial?

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Pois é. Amigo/as, temos de acreditar!



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*fotos - Largada de Velhas, teatro de rua, Ponta Delgada/2007.